História da Carlane

Carlane

 

18/06 e 19/06 – A história da Carlane: se você não leu nada do que mandamos até hoje, leia essa estória que vale a pena.

Resolvi contar essa estória em separado, pois ela é especial.

Há sete anos, quando o Renato esteve na Chapada pela primeira vez, ele fez fotos de crianças em frente a uma casa de barro, em algum lugar próximo ao Poço Azul. Uma foto em especial ficou tão bonita e expressiva que um amigo nosso, Tarcísio Puiati, resolveu colocá-la na capa de seu livro de poesias – Amor ou não. Aliás, nada mais poético do que aquela menina de uns 12 anos na janela de casa, as unhas pintadas com um esmalte já descascado e com a luz dourada do pôr-do-sol batendo em seu rosto.

Quando estávamos arrumando as coisas para essa viagem, o Renato resolveu trazer algumas fotos daquela época e, é lógico, a foto da menina da capa do livro.

Nada sabíamos sobre ela, nem seu nome, nem idade, nem lugar onde morava. O Renato só se lembrava do relevo onde ficava a casa e nada mais. Quando fomos para o Poço Encantado, olhávamos cada casinha de barro em busca de alguma lembrança. Como eu não tinha estado junto da outra vez, em pouco podia ajudar, a não ser em buscar alguma semelhança entre a casa da foto (da qual só se via uma janela) e as casas que víamos na beira das estradas. Mas nada nos chamou a atenção.

Quando saímos dali e tomamos a outra estrada que leva ao Poço Azul, acabamos dando carona para um senhor; eu aproveitei e lhe mostrei as fotos. Ele logo respondeu dizendo que eles não moravam mais ali, que o pai tinha morrido e que a mãe tinha ido com as crianças para Nova Redenção. E quando olhou para a criança menor logo disse que o menino tinha morrido ainda pequeno. E assim a estória ficava mais triste a cada minuto. Quando o deixamos no lugar combinado, estávamos arrasados: pensamos que a menina do livro ia continuar assim – só um rosto sem uma estória.

Metros adiante, na descida de uma ladeira, o rosto do Renato se iluminou e ele disse confiante: “É aqui!!!!!!!!!!!!”. Ele reconheceu o relevo, mas ao procurar a casa não a encontrou. Apesar da certeza do lugar, ainda faltava a prova. Resolvi perder a vergonha e parei uma moça com duas crianças. Expliquei a situação e lhe mostrei uma foto onde estavam três crianças. Ela olhou com calma, aliás, com muita calma, ainda mais para nós que estávamos ansiosos por uma resposta. Depois de um tempo, ela nos olhou meio desconfiada e disse, ainda sem muita convicção: “Essa aqui sou eu!”. Não era a menina do livro, mas cunhada dela. A moça chama-se Edna e tem 22 anos e dois filhos pequenos. E, ela nos contou um pouco da história da menina do livro, que se chama Carlane. Ficamos um bom tempo conversando com a Edna na beira da estrada, ainda meio espantados com a sorte que tivemos em abordar a pessoa certa… assim de primeira! Edna nos contou que a casa não existe mais (caiu) e que a família da Carlane “mora logo ali, do outro lado da estrada, naquela casa azul” ( que a prefeitura ajudou a construir).

Estávamos excitados demais com aquilo tudo e queríamos muito encontrar a Carlane, mas Edna nos disse que ela só voltaria para casa amanhã. Nos sentíamos um pouco como aquele repórter da National Geographic que fez a célebre foto de uma menina de olhos muito verdes (muçulmana, eu acho) e que voltou agora, mais de dez anos depois para procurá-la… e a encontrou.

Sentimos não poder conhecer a Carlane, mas só conversar com a Edna já foi muito gratificante. Fizemos várias fotos dela e dos filhos e prometemos enviá-las pelo correio assim que retornarmos a Porto Alegre.

Foi nessa noite que acampamos à beira do Rio Paraguaçu e, como amanheceu nublado no dia seguinte, resolvemos mudar o itinerário e acabamos passando na frente da casa da Carlane de manhã cedo.

O Renato ainda ficou pensando se devíamos entrar ou não, mas eu pensei que talvez nunca mais teríamos a chance de conversar com ela e fomos! Logo que tomamos o caminho da casa, um grupo de pessoas já se juntou no portão. Edna tinha entregue as fotos no dia anterior então todos já sabiam da nossa existência. Dna Maremi, mãe de Carlane, veio nos receber e ficamos horas conversando no portão. Para nosso azar, Carlane ainda não tinha chegado de Nova Redenção e parecia que iríamos embora sem conhecê-la. Mas, para matar a nossa curiosidade, Dna Maremi nos mostrou algumas fotos onde pudemos perceber que ela tinha crescido, mas o sorriso tímido ainda estava igual como há sete anos. Vimos fotos também daquela outra criança que jurávamos ser um menininho, mas era uma menina e que hoje já está crescida e também estudando em Redenção (e não era um menino como nos disse o senhor!).

Esperamos muito e quando estávamos indo embora, alguém surge lá longe na estrada. Era ela. Carlane chegava de carona em uma moto, com uma enorme mala nas costas (quase maior que ela) e nos sorriu tímida (como sempre), pois já tinha recebido um telefonema no dia anterior avisando das fotos. Conversamos um pouco e ficamos felizes de saber que ela está estudando e que inclusive já foi para São Paulo fazer um curso de Educação Solidária. A vida é muito dura por ali, a seca castiga as plantações e não há oportunidades principalmente para as jovens, cuja única certeza de futuro é, quase sempre, casar e ter muitos filhos. Por isso ficamos felizes em saber que ela não seguia por este caminho: havia no seu dedo direito uma aliança – promessa de um casamento no futuro -, mas em sua cabeça havia mais sonhos que a proporcionariam uma vida melhor.

Ficamos ainda mais tempo por lá. Aí resolvemos pegar as câmeras e juntamos a família (e mais outras tantas pessoas que já haviam chegado e a gente nem sabia se parentes eram) e fizemos várias fotos. É claro que enviaremos tudo pelo correio, inclusive exemplares do livro de poesias do Tarcísio (autografados, hein, Tarcísio!!!)

Ficamos muito felizes e realizados, com um sentimento de que pouca coisa nos trará tanto prazer nessa viagem como este reencontro. Poderemos conhecer vários lugares e pessoas, mas nada será tão forte e bonito como foram esses dois dias.

 

 

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
EnglishPortuguese