Pico da Bandeira – Alto Caparão/MG

 

Parque Nacional do Caparaó

Há tempos que eu assistia alguns programas de TV, onde apareciam pessoas fazendo o trekking ao Pico da Bandeira, com água na boca. Acredito que depois de Lençóis Maranhenses, era o lugar que mais tinha vontade de conhecer.
E lá estávamos nós, em Alto Caparaó, cidade sede do parque do lado mineiro. Ficamos na Pousada do Rui, onde fomos SUPER bem recebidos pelo Rui e pela Ilsa. Só o feijão da Ilsa vale uma visita à cidade!
No primeiro dia, descobrimos que há muito mais para ver e conhecer na cidade do que simplesmente o Pico da Bandeira. Dentro dos limites do parque, visitamos o Vale Verde, a Tronqueira e o Vale Encantado.

O vale Verde fica próximo à portaria e é uma sucessão de pequenas cachoeirinhas que formam deliciosos poços para banho. Como o nome já diz, o vale é repleto de árvores que fazem sombra e deixam a água ainda mais gelada. Apesar da enorme vontade, não tivemos coragem de experimentá-la para ver se era verdade.

Mais 5 km de carro por uma estrada de terra que corta o parque, chegamos na Tronqueira, fim da linha para veículos. Dali podíamos ver a cidade de Alto Caparaó bem lá embaixo e a sucessão de serras a perder de vista. O lugar é ótimo para acampar, mas como a gente só tinha ido passar o dia, logo arrumamos um lugarzinho para almoçar.

Vale Encantado, bem próximo à Tronqueira e só acessível a pé, é como o Vale Verde, com a diferença que ali o sol toma conta do lugar. Aquela água incrivelmente cristalina era um convite e resolvi encarar um banho! Foi muito rápido, mas saí dali com as energias recarregadas!

Trilha para o Pico da Bandeira – subida até 2.890 mt
Terceiro pico mais alto do Brasil

A manhã do dia seguinte foi meio estranha. Acordamos às 07:30, tomamos café, voltamos para o quarto e cochilamos mais um pouco. Isso nunca acontece! Parecia que não queríamos sair da cama, que queríamos prolongar ao máximo aqueles momentos de modo que nunca chegasse a hora do meio-dia. Tínhamos combinado com o guia Josias para começarmos a caminhada para o Abrigo Terreirão (metade do caminho para o Pico da Bandeira) às 14 horas. Na realidade, acho que estávamos meio apreensivos pela caminhada. Terceiro mais alto pico do Brasil, o título impõe respeito. Lá no fundo nos questionávamos se seríamos capazes dessa empreitada.

Subimos com uma mochila grande cada um (+/- 18 kg) e o Josias levou mais uma pequena para nós. A caminhada até o pico é feita em duas etapas, dividida em dois trechos (de subida!) de 4,5 km cada um. Pode-se fazer tudo num dia só, saindo bem cedo e chegando já à noitinha na Tronqueira. Mas é um tirão puxado demais. Cansa-se muito e aproveita-se muito pouco do visual. A outra opção, mais interessante e que acabamos fazendo, é subir à tarde, pernoitar na área do Terreirão e sair de madrugada (mais precisamente às 3 da manhã!) para percorrer os 4,5 km restantes e se deliciar com o nascer do sol lá de cima. No entanto, ainda tem gente mais louca que começa a caminhar às 21 horas, chega no Terreirão às 24:00, descansa um pouco e recomeça a caminhar às 3 da manhã.

Ambos os trechos são de subida (sempre em subida!). Para-se muito para tomar fôlego, respirar fundo, bebericar um pouco de água e seguir adiante. Acho que estávamos esperando algo tão difícil que nos surpreendemos com a trilha. Apesar de ser relativamente íngreme, caminhamos em um passo super tranqüilo e pode-se dizer que foi relativamente fácil (mesmo carregando a mochila!). Passaram por nós vários grupos que caminhavam sem mochilas, pois as mandaram pelas mulas. É uma opção para aqueles que não estão muito habituados a caminhar! À cada parada, era só olhar para trás e ver as cidadezinhas que iam aparecendo lá embaixo e a cadeia de montanhas que ia se descortinando ainda mais no horizonte.

Tínhamos reservado o Abrigo Terreirão para nós. É uma casa com dois ambientes grandes, onde cada um se ajeita como quiser. Existem alguns colchões velhos, mas suas condições eram bem precárias e resolvemos contar com os nossos isolantes, os quais colocamos sobre ¨bancadas¨ de concreto que servem como camas. Naquilo que se chama de sala, há um fogão à lenha (meio incoerente, já que não se pode queimar lenha em um parque nacional!), uma mesa e bancos de concreto. Luz, nem pensar! Banheiro, lá fora em uma construção ao lado da casa. O que não entendemos é que, mesmo com a instalação para energia solar toda feita, ela não era utilizada. Talvez estivesse estragada. Ou seja, banho só frio, ou melhor, só gelado. A água saía quase como pedras de gelo. O banho talvez tenha sido mais difícil que a própria subida. Além do abrigo e do prédio dos banheiros, ali há outra construção que pode ser utilizada gratuitamente pelos caminhantes para pernoite. Só que, se o nosso abrigo já era bem simples, imagine esse outro! Para quem não consegue ficar em um lugar ou em outro, o jeito é acampar. E espaço é o que não falta! Naquele resto de dia, nos deliciamos com o pôr-do-sol. À noite, jantamos cedo, o Josias nos fez um chá de poejo e fomos dormir bem cedinho. Inacreditavelmente, acordamos às 02:45! E, em menos de meia hora, já estávamos iniciando a 2ª parte da jornada. Caminhar à noite foi muito bonito e (acreditem ou não) incrivelmente fácil (esperávamos algo bem mais complicado!).

Como a subida é ainda mais íngreme, fazíamos várias paradas, onde desligávamos as lanternas e só ficávamos admirando as estrelas. A lua era cheia e por pouco não fomos caminhando só com a luz do luar. O frio ia aumentando a cada passo. Quando chegamos ao topo, ainda escuro, o frio estava bem intenso. Sorte que levamos junto tudo de mais quente que tínhamos. Nos abrigamos e começamos a contagem regressiva para ver o show do nascer do sol. A mistura da noite com o dia chegando talvez seja o mais bonito. O céu não sabe mais se continua escuro ou se se deixa pintar de cor-de-laranja. Só quem já esteve lá em cima (e nessa hora!) pode entender a beleza daquele momento. Naquela hora, provavelmente não havia ninguém no Brasil em um lugar mais alto do que nós (afinal, é muito pouco provável que alguém esteja em cima do Pico da Neblina ou do 31 de Março naquele mesmo dia!). A sensação é de estar quase voando, bem próximo das nuvens, quase tocando o infinito do céu. Lindo! Dali, descemos um pouco e fomos ao Pico do Calçado, de onde se tem vistas igualmente bonitas e vê-se o Pico do Cristal. Por incrível que pareça, a descida foi mais complicada, os joelhos reclamaram bastante.

Quando chegamos no Terreirão, resolvemos passar mais uma noite. Durante aquele dia, passamos o tempo vendo o vai-e-vem de pessoas subindo ao pico. O tempo demorou muito para passar. Mas foi bom, pois só quando sentamos é que nos demos conta do quão cansados estávamos. No meio da tarde, o Renato começou a dizer que estava pensando em subir de novo até o pico (e, o pior, sem guia, já que o Josias já tinha descido!). Quando o Renato fala que vai pensar, é que já está decidido. Eu tinha decidido que ia deixá-lo ir sozinho. Se tínhamos que nos perder, que nos perdêssemos os dois juntos. Para nossa sorte, à meia-noite, ouvimos uma batida forte na porta do abrigo. O Josias tinha subido novamente com um turista e ia levá-lo às 3 da manhã para o pico. Ainda bem! Quando começamos a caminhar às 03:00, cada um estava se perguntando ¨o que estou fazendo aqui? porque tinha que inventar de subir de novo?¨, mas nenhum dava o braço a torcer e seguia confiante a caminhada.

Como já conhecíamos o caminho, ele parecia cada vez mais longo e interminável. O que nos salvou de uma caminhada entediante foram as estórias que o João (o turista que tinha vindo com o Josias) vinha nos contando pelo caminho. Nesse dia, o vento estava insuportável no topo, nos impedindo de ficar em pé. O frio, conseqüentemente, estava de trincar os ossos. Mas, quando o sol apareceu, nos esquecemos do frio e ficamos hipnotizados. Foi ainda mais bonito do que na primeira vez.

Depois de algumas horas passadas no topo, descemos para o Terreirão, arrumamos nossas coisas e começamos a caminhada de retorno à Tronqueira, onde tínhamos deixado o carro três dias atrás. O jipe continuava inteirinho e na Tronqueira encontramos o Rui que ligou lá de cima para a pousada pedindo para nos prepararem um almocinho. Fechamos com chave de ouro nossos dias no Caparaó, com o sabor inigualável do feijão da Ilsa.

OBS: A trilha para o Pico da Bandeira engana muito. Ela parece fácil e bem demarcada, mas basta um descuido para alguém se perder. Nos dias em que ficamos lá, um homem resolveu subir sozinho até o pico. Ficamos esperando ele descer, mas nada. Soubemos no dia seguinte que ele tinha se perdido e que tinha passado a noite (no frio intenso: ele estava só de camiseta e bermuda!) perdido em algum lugar no Pico do Cristal. Não economize, contrate um guia e aproveite ainda mais o passeio.

Pousada do Rui – www.pousadadorui.com.br
Ótima pousada e uma deliciosa comida mineira.
Suites com TV, Frigobar, passeio de jeep, Guias.
Rua Francisco Monteiro, 86
Alto Caparaó

 

Relato do Jaime Alberto Ribeiro e da Simone

Se é verdade que a fé remove montanhas, Alto Caparaó MG, tem bons atores para provar o ditado. No alto do Parque Nacional, três dos dez picos mais altos do Brasil (Pico da Bandeira, 2.890m; Pico do Calçado, 2.768m e Pico do Cristal, 2.780m), quase trigêmeos, atraem a atenção dos visitantes. Na parte de baixo, 25 igrejas, templos, capelas e similares, dividem a fé de uma população de pouco mais de cinco mil habitantes: são Presbiterianos, Batistas, Batistas Betel, Deus é Amor, Fé e Libertação, Maranata, e tantos outros, além, é claro dos tradicionais Católicos. Haja pecado para tão pouca gente. E, nós, com fé, aguardávamos na parte baixa as condições ideais para a subida ao Pico da Bandeira, ou seja, eu melhorar de uma gripe que me acompanhava desde Porto Alegre. Finalmente, depois de um dia inteiro de repouso, chegou a hora.

Lá vamos nós para uma subida, providencialmente divida em duas partes. No primeiro dia iríamos até o Terreirão, abrigo do Ibama, onde acamparíamos, para na manhã seguinte, partir logo de madrugada para o ataque final. No comando, Josias, um guia com conhecimento de causa e nome bíblico para não dar chance ao azar. Após uma primeira etapa tranqüila, mesmo com nove quilos de equipamento nas costas – roupas e comida, fique claro, pois a máquina fotográfica, compacta, pesa menos de quatrocentos gramas, chegamos ao local do pernoite. Foi nesse momento que as coisas começaram a sair diferente do que tínhamos planejado. Apesar de sermos recebidos no abrigo por uma Siriema pronta para ‘fazer uma amizade” o tempo que já não era bom começou a piorar. Uma fina neblima, daquelas que prometem passar uma semana antes de ir embora, chegou com o anoitecer. Embora trouxéssemos capas de chuva, o programa principal, contemplar o nascer do sol no alto do pico, estaria prejudicado.

E para confirmar mais um ditado de que desgraça não vem sozinha, novas dificuldades – o fogareiro e a iluminação, parte dos nove quilos, carinhosamente transportados desde o início da trilha, teimavam em não funcionar. E a chuva, nada de ir embora. Josias, inabalado, após recolher “ecologicamente” um pouco de lenha no Parque, dava início ao fogo salvador. Bom, com fogo, veio a comida, já que não estávamos lá para brincadeira. “Arroz de puta pobre” foi o cardápio, aplaudido de pé, àquelas alturas, com o perdão do trocadilho. Um chá de Poejo completava a janta e estávamos prontos para dormir às 20h.

A alvorada foi às 2h, e ao conferir a situação do tempo um susto: a única coisa com a qual nem ousávamos sonhar acontecera: as estrelas cobriam o céu e prometiam um amanher ensolarado, no mínimo. Café tomado, entramos novamente em marcha, com Josias nos guiando na escuridão e mostrando, literalmente o caminho das pedras. A sensação de caminhar na escuridão da madrugada com as estrelas cobrindo todo o firmamento, já que a lua não estava no cenário, é simplesmente indescritível. Víamos o contorno das montanhas, e a medida que nos aproximávamos, o Pico parecia ficar mais distante, já que é no final a subida é mais íngreme. A luz que antecede o nascer do sol já tinha surgido e pensávamos que não seria possível chegar ao pico antes dele surgir. Porém, Josias com toda a calma, garantia que o espetáculo não iniciaria sem nossa presença.

E assim foi, do alto do pico, por trás de um colchão de nuvens, impávido colosso, surgia o sol. E a cada segundo mudava a paisagem ao nosso redor. Extasiados nos sentíamos testemunhas de algo que parecia ser único, e no entanto, deve acontecer quase todos os dias. O pico não é nem tão alto, não necessitamos escalá-lo, apenas uma dura caminhada, mas mesmo assim compartilhávamos uma sensação de atingir um objetivo.

Missão cumprida e ainda cheios de gás resolvemos conhecer os outros dois picos irmãos: Calçado e Cristal. O do Calçado é barbada, na verdade tem-se que descer. O do Cristal não é a mesma coisa. Não é tão alto quanto o Pico da Bandeira mas a subida é mais íngreme e, considerando-se que já era o terceiro, tornou-se o mais difícil. De cima do Cristal é possível avistar Alto Caparaó e provar que se a fé não move montanhas, ao menos deixa elas mais perto de nós.

Agradecimentos a condução precisa e bem-humorada do Josias e as dicas do Renato e da Lú, que indicaram inúmeras providências a serem tomadas, inclusive contratar o Josias.

 

 

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